Machados - de osso, metal e pedra

Enquanto a forma de sua "cabeça" fosse similar a dos tradicionais machados europeus desde o início da Idade do Bronze, mesmo os primeiros "tomahawks" levados aos EUA já apresentavam a marcante característica de terem o cabo algo mais longo do que aquele dos típicos machadinhos apenas utilitários do Velho Mundo entre os séculos 17 e 19. Na maioria dos exemplares originais, esse comprimento situava-se entre 17" e 23" (ou 43,1 e 58,4 cm). As verdadeiras razões para esse cabo mais longo são desconhecidas, entretanto em alguns círculos de colecionadores avançados dos EUA se especula que a razão para isso talvez fosse o fato de até mesmo os mercadores europeus já os conceberem não só como ferramentas mas sim também como armas, daí a inspiração para sua criação ter partido dos machados de guerra da Europa medieval, o "tomahawk" convencional sendo então uma, digamos, miniatura dos antigos tipos usados em combate. Dentre os do tipo convencional, a 1a. versão catalogada (ainda pela Expedição Lewis & Clark de 1803) foi denominada de "Missouri" (pois era popular desde 1760 entre as tribos que habitavam as proximidades do rio de mesmo nome) e apresenta "cabeça" mais longa e larga, até algo desproporcional em relação ao comprimento do cabo, e olhal (ou "olho") totalmente circular. Os ferreiros da Expedição Lewis & Clark foram obrigados a forjar similares para as tribos Mandan e Pawnee em troca de comida. Algumas correntes de estudiosos norte-americanos sugerem que os dessa configuração talvez tenham sido trazidos pelos primeiros colonizadores espanhóis para a tribo Osage, onde eram os preferidos.
Gostaria de começar essa apresentação me reportando a um episódio presenciado por Lévi-Strauss quando ele esteve, em 1938, com alguns bandos Nambiquara que acampavam nas proximidades das estações telegráficas construídas pela Comissão Rondon. Esse episódio foi relatado na monografia que ele escreveu sobre a vida familiar e social dos Nambiquara (1948), que alguns anos depois, foi parcialmente publicada em Tristes Trópicos (1955).

Levi-Strauss conta que, quando esteve com os Nambiquara, um xamã desapareceu por uma noite inteira, deixando seus parentes muito preocupados. Na manhã seguinte, ele foi encontrado em um local não muito longe de onde o seu bando estava acampado. Completamente nu, o xamã contou ao grupo que havia sido levado para longe pelo espírito do trovão, que lhe roubara todos os seus ornamentos. Algum tempo depois, ele voltou a usar seus enfeites sem que ninguém questionasse a sua versão para o fato ocorrido há tão pouco tempo.As conclusões que Lévi-Strauss tira desse episódio são políticas: o xamã havia desaparecido para encontrar-se com um bando hostil e explicou sua atitude referindo-se aos espíritos. Sem discordar da conotação política deste caso, gostaria de chamar a atenção para o fato do rapto do xamã pelo espírito do trovão ter sido descrito pelo próprio xamã como um roubo de seus ornamentos corporais. Apesar das diferenças observadas entre os diversos grupos Nambiquara, penso que meus dados sobre os Mamaindê podem ajudar a esclarecer este ponto. Os Mamaindê dizem que, além dos enfeites visíveis, possuem também enfeites internos que só o xamã é capaz de enxergar e de tornar visíveis durante as sessões de cura. Ambos são chamados genericamente de wasain´du (coisa, material), termo que também pode designar todos os pertences de uma pessoa.
O que torna um enfeite visível ou invisível não é uma característica intrínseca a ele, mas a capacidade visual do observador. Do ponto de vista do xamã, um ser capaz de adotar múltiplos pontos de vista, o corpo se revelará sempre como um corpo enfeitado.

Durante as sessões de cura, o xamã costuma retirar os enfeites internos do doente, tornando-os visíveis. Esfregando as mãos na cabeça do doente, ele retira uma linha de algodão (kunledu) que, aos seus olhos, é um colar de contas pretas (yalikdu). No entanto, de acordo com o xamã, não é somente ao redor da cabeça que possuímos essa linha/colar, todo o nosso corpo está enfeitado com voltas de colar de contas pretas. Certa vez, assisti um xamã curar uma velha que sentia fortes dores no corpo. Ele retirou algumas miçangas de dentro do seu joelho e da sua barriga e explicou que ela estava doente porque os colares que ela tinha dentro do seu corpo (na wasain´du) haviam se rompido. Ele acrescentou, ainda, que isso aconteceu porque ela havia guardado os seus colares em casa da maneira errada, ela deveria tê-los guardados esticados e não dobrados. Deste modo, o que acontece com os enfeites de uma pessoa, sejam eles internos ou externos, a atinge da mesma forma provocando doenças que podem levá-la à morte. Nesses casos, cabe ao xamã consertar os enfeites rompidos e recolocá-los novamente dentro do corpo do doente.

Muitas vezes o xamã também recomenda que os doentes passem a usar mais colares ao redor do corpo. Durante uma sessão de cura, observei um xamã retirar miçangas de dentro do corpo de um homem e entregá-las à esposa dele que, imediatamente, fez com elas um novo colar para colocar nos pulsos do marido. Deste modo, embora seja invisível aos olhos das pessoas comuns, a linha/colar pode se tornar visível durante as sessões de cura e, neste sentido, não é concebida como fundamentalmente distinta dos colares que os Mamaindê usam externamente.
Os Mamaindê dizem que essa linha/colar é o nosso rumo, a nossa memória e também aquilo que nos faz sonhar. Sem ela não sabemos mais onde estamos, deixamos de reconhecer nossos parentes, ficamos perdidos, doentes. Quando isso acontece, diz-se que a pessoa perdeu o seu “espírito” (yauptidu) ou as suas “coisas” (wasain´du). Neste contexto, os Mamaindê costumam inclusive traduzir o termo wasain´du (coisa) por “espírito”, em português, indicando que a perda da linha/colar equivale à perda do próprio espírito. Sem a intervenção do xamã para trazer a linha/colar de volta a pessoa pode morrer. O mesmo se passa quando alguém perde outros enfeites corporais. Pude perceber isso quando observei uma mulher fazer o cocar de penas de tucano (yalãngalodu) que seria usado por sua filha na festa que encerra o ritual de puberdade feminina. Ela comentou que se alguém roubasse aquele cocar a sua filha poderia morrer imediatamente, pois ela perderia o seu espírito (yauptiu). Fiorini (1997) relatou algo parecido para os grupos Nambiquara do sul do Vale do Guaporé. Ele observou que os Manairisu consideravam determinados objetos, principalmente os enfeites corporais, uma extensão do seu próprio espírito (yaukitsu) e acrescentou ainda que as crianças costumavam usar muitos colares porque o seu espírito era considerado mais vulnerável ao ataque de espíritos malévolos. Price (1989:681) também mencionou brevemente a importância que os grupos Nambiquara do cerrado conferiam aos ornamentos corporais. Segundo ele, “as coisas feitas pelas pessoas (yegnk´isu, artesanato), como colares e enfeites, se opõem aos objetos naturais – plantas ou animais – são ´coisas espirituais’. Elas são carregadas de mistério e usadas junto ao corpo, especialmente no ritual”. Os casos relatados acima indicam que, neste contexto etnográfico, os enfeites corporais usados pelas pessoas podem, em algum momento, ser considerados o seu próprio espírito (yauptidu). Deste modo, a doença é freqüentemente descrita como uma perda dos enfeites corporais e as práticas xamânicas que visam a fixação do espírito ao corpo implicam, muitas vezes, em enfeitar o corpo com várias voltas de colar de contas pretas. Mas se, de acordo com os Mamaindê, a posse dos enfeites corporais confere a uma pessoa a sua capacidade de ter consciência, memória, rumo - qualidades que são equacionadas à noção de espírito – em determinados contextos os enfeites se revelam, eles mesmos, sujeitos. Durante as sessões de cura, a linha/colar costuma falar com o xamã. Assim, ao retirá-la de dentro da cabeça do doente, o xamã esfrega a linha/colar entre as mãos levando-a para perto de seus ouvidos. Após escutar o que a linha/colar lhe contou, ele revela a todos o que aconteceu. Só então, o doente consegue se lembrar do que se passou com ele e começa a melhorar. No mito, o estatuto humano dos enfeites e dos objetos feitos pelas pessoas se torna ainda mais evidente. Há um mito mamaindê que conta como as pessoas se transformaram em animais no momento em que uma criança abriu uma cabaça que continha a noite (escuridão) em seu interior. Até então, os animais que existiam eram mantidos presos em um buraco controlado por um pajé “dono” dos animais. Nesse tempo o sol nunca se punha, tudo era claro e visível. Até que um dia as crianças desobedeceram as ordens do pajé e abriram o buraco dos bichos deixando-os escapar. Como castigo, o pajé deu uma cabaça que continha a noite em seu interior para uma criança segurar, mas a cabaça estava cheia de marimbondos. Sem conseguir resistir às picadas do inseto, a criança largou a cabaça e gritou avisando que ia escurecer e, então, a noite se espalhou pelo mundo. Neste momento, as pessoas e os objetos que elas faziam deram origem a vários animais. A criança virou um tipo de coruja (urutau) que grita à noite. Os velhos viraram uma espécie de macaco (kondu) que tem o pêlo branco. O machado de pedra falou que gostava de derrubar árvores para comer mel e, assim, se transformou em irara (animal de dentes afiados que come mel). As flechas envenenadas usadas para caçar viraram cobras venenosas. As perneiras de algodão do pajé viraram lacrais. Um tipo de cuia feito de cabaça falou que ia virar jabuti porque não queria pegar chuva. O cesto cargueiro virou onça e é por isso que a onça tem a pele pintada como o trançado deste cesto. Os Mamaindê dizem que, ainda hoje, os cestos cargueiros abandonados no mato podem se transformar em onça e voltar para atacar o seu dono. No final do mito afirma-se: “todos os animais são feitos de gente” (nuna´ã yuhaga nagayanã weisilatwa), indicando que, assim como as pessoas, os objetos que elas fabricavam tinham o estatuto de sujeitos.

Gostaria de ressaltar aqui que, de acordo com o mito, os objetos que têm o estatuto de sujeitos são justamente aqueles fabricados pelas pessoas, o que os torna, neste sentido, portadores de uma agência humana. Ao definir o significado do termo wasain´du (coisa), os Mamaidê enfatizam justamente esta característica dos objetos assim designados: eles dizem que “wasain´du é tudo aquilo que a pessoa tem, principalmente o que ela faz ou usa”. Assim, a idéia de que os objetos são portadores de uma agência humana é o que os torna potencialmente humanos. Neste sentido, podemos dizer que, para os Mamaindê, os enfeites corporais e as coisas feitas pelas pessoas são uma espécie de epítome da noção de espírito na medida em que são concebidos como portadores de uma agência humana, estando necessariamente remetidos a um sujeito.
Procurei demonstrar até aqui que os enfeites corporais podem ser concebidos como sujeitos e, ao mesmo tempo, como aquilo que define um sujeito capaz de ter consciência, memória, rumo e intencionalidade próprias. Mas não posso deixar de observar que, segundo os Mamaindê, existem também outros tipos de seres que possuem enfeites. O espírito do monstro canibal dayukdu, considerado o “dono” (wagindu) do macaco-aranha por ser uma versão aumentada desta espécie, costuma roubar a linha/colar dos Mamaindê durante o sonho e colocar a dele em seu lugar. A pessoa afetada fica muito doente, esquece os seus parentes, perde o rumo e o seu espírito (yauptidu) passa a viver no mato, acompanhando o dayukdu. Neste caso, os Mamaindê também dizem que a pessoa que tem a sua linha roubada/trocada pelo dayukdu casa-se com ele e passa a enxergar os seus próprios parentes como se fossem bichos, mais especificamente predadores (nadadu, animal grande e perigoso). A troca de enfeites corporais com o dayukdu equivale, neste sentido, a uma troca de perspectivas.
A maior parte das doenças é provocada pelo roubo da linha/colar pelo dayukdu. Quando isso acontece, o xamã deve retirar da cabeça do doente a linha deixada pelo dayukdu e colocar uma nova linha. Deste modo, o processo de transformação desencadeado pelo roubo da linha/colar é interrompido. A pessoa volta a reconhecer os seus parentes e o seu espírito (yauptidu) deixa de vagar pelo mato, seguindo o dayukdu. Assim, a experiência da transformação é descrita pelos Mamaindê como uma troca de enfeites corporais. Neste caso, podemos dizer que a posse dos enfeites corporais é o que define um sujeito capaz de ter consciência e perspectiva próprias e, sobretudo, o que lhe confere a possibilidade de se transformar em outro tipo de gente.
Mas a posse dos enfeites corporais não deve ser pensada como um atributo ontológico fixo de cada espécie de sujeito. Quando perguntei aos Mamaindê se eles já nasciam com enfeites por dentro do corpo, as respostas variavam. Algumas pessoas diziam que sim e outras contestavam veementemente esta afirmação. No entanto, todos enfatizavam que o xamã deve sempre trazer novos enfeites para colocar no corpo dos doentes. Neste caso, o que importa para os Mamaindê não é saber se eles já nascem com enfeites, mas ressaltar a possibilidade de perdê-los, de ter os enfeites trocados ou roubados por outros seres. Portanto, só faz sentido pensar nos enfeites corporais como componentes da pessoa quando a pessoa está inserida em uma relação.
Os Mamaindê descrevem o poder xamânico como a posse de muitos enfeites corporais dados ao xamã pelos espíritos dos mortos e também pelo xamã que o iniciou nas técnicas do xamanismo. Assim, dentre todas as pessoas, o xamã é aquele que possui a maior quantidade de enfeites corporais. Os dois xamãs atuantes na aldeia Mamaindê se distinguem das outras pessoas por estarem sempre usando muitas voltas de colar de contas pretas. Um deles nunca deixa de usar também enfeites feitos com linha de algodão ao redor dos braços e da cabeça.

O processo de iniciação xamânica pode ser descrito como um tipo de morte. O futuro xamã leva uma surra de borduna dos espíritos dos mortos e desmaia (/do-/, morrer). Neste momento, os espíritos dos mortos dão a ele os seus enfeites e objetos mágicos (muitas voltas de colar de contas pretas, braceletes e perneiras de algodão, cocar de penas de tucano, um tipo de lança feita de madeira, à qual os Mamaindê se referem como “espada do pajé” – walukadu - essa espada é descrita como um raio que permite ao xamã abrir buracos nas pedras, cavernas ou troncos de árvores para resgatar os espíritos dos doentes que ficam presos lá dentro). Além disso, o xamã ganha também algumas flechas, que são usadas para matar os espíritos do mato que provocam doenças e uma cabaça, que é usada para guardar marimbondos. Ele também pode usar essa cabaça para se esconder dentro dela, como se fosse a sua casa. Esses enfeites e objetos mágicos são chamados de wãninso´gã na wasaina´ã (coisas do pajé) ou de wãnin wasaina´ã (coisas mágicas) e são responsáveis pelo seu poder xamânico.
Além dos objetos e enfeites corporais, o futuro xamã também recebe dos espíritos dos mortos uma mulher-espírito que se tornará sua esposa (na de´du). Essa mulher-espírito é descrita como uma onça (yanãndu) que passará a acompanhar o xamã, sentando-se sempre ao seu lado durante as sessões de cura, “como se fosse o seu cachorro”. Neste contexto, o xamã pode se referir a sua mulher-espírito como da mãindu (minha criação), da yanãndu (minha onça) ou, genericamente, como da wasain´du (minha coisa), o que inclui todos os seus enfeites e objetos mágicos.
Ao adquirir os enfeites e objetos dos espíritos dos mortos, o xamã passa a ver o mundo como eles adquirindo assim o conhecimento xamânico. Neste caso, os enfeites (wasain´du) do xamã podem ser considerados “objetificações” das relações estabelecidas com os espíritos dos mortos. Penso que é neste sentido que a mulher-espírito do xamã pode ser chamada de na wasain´du (sua coisa).
Para não perder o seu poder xamânico ou a sua “mágica” (na wãnindu), como os Mamaindê preferem dizer, o xamã deverá respeitar uma série de restrições alimentares e sexuais. Deste modo, ele evita que a sua mulher-espírito o abandone e leve consigo todos os seus enfeites. Assim, a relação estabelecia com os espíritos dos mortos, que resulta na posse dos seus enfeites corporais, deve ser mantida através da observação de determinadas restrições, pois é essa relação que confere ao xamã o conhecimento xamânico, a capacidade de ver as coisas que aos olhos das pessoas comuns são invisíveis e de torná-las visíveis. A relação entre o conhecimento xamânico e a aquisição de enfeites corporais também foi apontada pelos Mamaindê como o motivo pelo qual os espíritos do mato costumam roubar os seus enfeites corporais. Um xamã me contou que o espírito “dono” do macaco-aranha (dayukdu) rouba os enfeites dos Mamaindê para ter xamã para ele. Assim, do mesmo modo que os Mamaindê precisam recorrer à perspectiva dos mortos para obter o conhecimento xamânico (literalmente “objetificado” na forma de enfeites corporais), os espíritos do mato adquirem o conhecimento xamânico através do roubo dos enfeites corporais dos Mamaindê.
Durante as sessões de cura, o xamã deve resgatar os enfeites roubados dos doentes com a ajuda dos espíritos dos mortos que, em troca, recebem comida dos vivos para continuarem atuando como auxiliares do xamã. Boa parte das músicas de cura que eu registrei se refere aos enfeites trazidos pelos espíritos dos mortos. Algumas músicas também falam que os espíritos dos mortos estão chegando para “comer junto” com os seus parentes vivos e se referem à comida como na yohdu (seu pagamento).
As músicas de cura poderiam ser descritas também como um diálogo entre o xamã, o espírito do doente e os espíritos dos ancestrais que, segundo os Mamaindê, atuam como se fossem um telefone, contando ao xamã o que está acontecendo na viagem que eles empreendem em busca do espírito perdido do doente. Aliás, quando o xamã escuta a linha/colar que ele retira da cabeça do doente falar, os Mamaindê dizem que essa linha é o próprio espírito do doente que está falando.
Em agosto deste ano, quando eu estive com os Mamaindê, pude entender melhor o que se passava nas sessões de cura. Nesta ocasião, um dos chefes da aldeia foi preso na cidade de Vilhena (RO), enquanto fazia compras. Ele havia comprado munição para caçar, mas, como não tinha o documento de porte de arma, acabou ficando detido na delegacia da cidade por 2 dias. Quando a notícia chegou na aldeia, seus parentes resolveram organizar uma expedição para soltá-lo. Vários homens e mulheres pintaram-se para a guerra e foram para a cidade, armados com flechas e bordunas. Chegando lá, dirigiram-se até a delegacia e renderam o delegado. Enquanto dois rapazes o seguravam, os outros tiraram o colete da polícia civil que ele estava usando e pintaram o seu rosto com jenipapo. Disseram-lhe, então, que só iriam libertá-lo quando ele libertasse o parente deles que estava preso. A essa altura, a TV local já havia chegado para noticiar o acontecimento. Logo que o chefe Mamaindê foi solto, ele deu uma entrevista falando que estava muito satisfeito com o tratamento que havia recebido na prisão. Disse que ele havia sido tratado como um parente e que recebera muita comida. Logo em seguida, os seus parentes se aproximaram e o seguraram, dizendo: “nós é que somos os seus parentes. Você foi preso, mas nós viemos aqui para te soltar. Seus irmãos estão muito preocupados. Olhe bem para nós, nós somos seus parentes, não eles”.
Depois disso, quando os Mamaindê tentavam me explicar o conteúdo das músicas de cura, eles sempre se remetiam a este episódio. Segundo eles, os espíritos do mato também prendem o espírito dos Mamaindê dentro das cavernas ou troncos de árvores deixando a pessoa afetada muito doente. Enquanto mantém o espírito do doente preso, eles pintam o seu rosto e roubam seus enfeites. Muitas vezes, quando os espíritos dos mortos vão, junto com o xamã, resgatar o espírito do doente, ele não os reconhece mais e não quer mais voltar. Segue-se, então, um diálogo entre o xamã, os espíritos dos mortos e o espírito do doente, no qual o xamã, com a ajuda dos mortos, tenta convencer o espírito do doente de que eles são os seus verdadeiros parente. Tudo isso é relatado nas músicas de cura.
As sessões de cura implicam assim em relações estreitas com os espíritos dos mortos e também podem ser descritas como um tipo de troca na qual se obtém os enfeites trazidos por esses espíritos. Nesse sentido, é possível afirmar que, neste contexto etnográfico, a perspectiva dos mortos é fundamental para definir a identidade dos vivos.
Além disso, os enfeites corporais trazidos pelos espíritos dos mortos também são, como vimos, repositórios do conhecimento xamânico; eles são parte do conhecimento xamânico, que é um conhecimento transmitido não só pelo aprendizado formal com um xamã, através da memorização de cantos, etc, mas também pelos próprios enfeites. Neste caso, ter enfeites é ter o conhecimento xamânico. É a posse de muitos enfeites corporais dados pelos espíritos dos mortos que confere ao xamã a capacidade de ver o mundo como eles.
Neste sentido, é interessante notar que os enfeites corporais usados pelos Mamaindê também podem ser considerados repositórios da agência dos mortos. Os Mamaindê dizem que, sempre que o xamã faz algum objeto, os espíritos dos mortos estão fazendo junto com ele. Por isso, ele deve ter sempre o cuidado de deixar uma panela com chicha ao seu lado para que os espíritos dos mortos possam beber. Para me explicar isso, muitas pessoas costumavam dizer que os mortos estão “ao vivo” junto com o xamã, fazendo tudo o que ele faz.
Mas o que eu gostaria de ressaltar aqui é que, para os Mamaindê, a aquisição dos enfeites corporais é um mecanismo fundamental para a constituição da pessoa e, ao mesmo tempo, é precisamente aquilo que permite a sua transformação, daí o fato do pajé ser descrito como aquele que tem muitos enfeites.
Assim, se a posse dos enfeites corporais é o que define uma pessoa, capaz de ter consciência, memória e intencionalidade, ela é também aquilo que a torna visível para outros tipos de gente. Como eu disse, o que o espírito “dono” do macaco-aranha enxerga e rouba dos Mamaindê são os seus enfeites corporais. O uso dos enfeites corporais implica, portanto, uma ambigüidade: ao mesmo tempo que o xamã deve estar sempre trazendo novos enfeites para dar aos doentes, principalmente para as crianças que têm o espírito considerado mais vulnerável ao ataque de espíritos do mato, o uso dos enfeites é também o que torna as pessoas passíveis de serem capturadas por outras espécies de sujeitos. Por esse motivo, os Mamaindê dizem que o xamã não deve ir para o mato, pois ele tem muitos enfeites que o tornam especialmente visível aos espíritos malévolos.
Gostaria de finalizar voltando ao mito, mencionado acima, que descreve como as pessoas e os objetos que elas fabricavam se transformaram em animais. É interessante notar que essa transformação ocorreu justamente no momento em que a noite se espalhou sobre a terra. Até então era sempre dia. O tempo em que os objetos tinham características humanas é, portanto, definido como um tempo em que tudo era claro e visível, em que o sol nunca se punha, ou seja, um tempo em que não havia tempo: não havia distinção entre o dia e a noite, entre o claro e o escuro, o visível e o invisível. Devo acrescentar aqui que os Mamaindê também dizem que nesse tempo descrito pelo mito todos eles eram xamãs, todos tinham wãnindu (mágica, poder de xamanismo), sabiam prever acontecimentos futuros, curavam a si mesmos e podiam se transformar em animais para conseguir o que desejavam. Agora eles dizem que dependem da ajuda dos mortos que são, neste sentido, os verdadeiros xamãs.

A palavra "tomahawk" é uma derivação da fonética "tamahakan" no idioma das tribos índias Algonquin e Iroquois que habitavam o Leste da América do Norte. Originalmente, essa fonética aplicava-se a toda uma classe de armas para golpear, compreendendo as maças de guerra feitas de madeiras duras e pedras ("war clubs") e os primitivos machados deste último material. Assim, por analogia, essas e outras tribos dos EUA passaram a chamar de "tamahak" os primeiros machados de metal recebidos de comerciantes europeus (principalmente os franceses) que se dedicavam ao comércio de peles nas fronteiras norte-americanas ainda por volta de 1630. Estes, como eram tecnicamente muito superiores aos de pedra, rapidamente tornaram-se itens disputadissimos entre as populações indígenas daquele país. Tudo leva a crer que as primeiras tentativas de fornecimento de machadinhos de metal aos índios norte-americanos foi através de simples cópias européias dos modelos em pedra, isto certamente tendo sido rapidamente abandonado, haja vista a raridade atual de alguns poucos exemplares assim constituidos que chegaram aos nossos dias. Os próprios indígenas devem ter concluido que os modelos dos colonizadores brancos eram bem superiores.

Segundo alguns historiadores norte-americanos, o têrmo "tomahawk" também já era amplamente utilizado por volta de 1720..pelos colonizadores da Virginia para definir um machado de pequenas dimensões, independente de seu uso se fazer por índios ou por brancos e na época da Guerra da Independência dos EUA (1776) integrantes de milícias das 13 colônias revolucionárias portavam regularmente "tomahawks", bem como também o faziam alguns batalhões do exército britânico do período..Por volta de 1810, ao se iniciar o efetivo desbravamento e colonização do Oeste Selvagem por norte-americanos e a intensificação do comércio das peles de castor por homens das montanhas, os "tomahawks" foram uma importante moeda de troca nas relações comerciais com os índios.

Enquanto para os pioneiros e exploradores norte-americanos o "tomahawk" de metal foi apenas mais uma ferramenta, entre os índios daquele país, além de objeto utilitário e arma que era, transformou-se também num instrumento de bravura e liderança (especialmente com a introdução do "pipe tomahawk", ou "tomahawk"-cachimbo) e tornou-se simultaneamente um símbolo de guerra e paz.

O maior ato de bravura de um índio das planícies norte-americanas não era somente a morte de seus inimigos, mas sim toca-los com algum instrumento, provocando o combate aproximado. Entre esses instrumentos, destacavam-se o "tomahawk", o chicote ou um simples bastão curto, muitos especialmente confeccionados para esse fim.Quando os conselhos índios de guerra convocavam bandos ou tribos para deliberarem sobre conflitos iminentes , um "tomahawk" era colocado no chão à frente do chefe; terminada a reunião, caso o machado fosse erguido por ele, significava que haveria luta. Igualmente, na cerimonia de finalização dos tratados de paz era costume o chefe enterrar a cabeça do "pipe tomahawk" no solo e, após isso, desenterrá-lo, prove-lo de fumo, dar as primeiras baforadas e passa-lo aos presentes para fazerem o mesmo, isto significando que todas as desavenças passadas haviam sido enterradas e que as futuras disputas se tornariam fumaça.

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