Jornada e Animal de Poder


A forma mais comum de o xamã — e todos que praticam o
xamanismo — alcançar o estado alterado de consciência e o mundo
espiritual é a jornada ao som do tambor e/ou chocalho, às vezes
acompanhado de outros tipos de sons e cânticos.
E na jornada que o xamã abre as portas da consciência e viaja até a
realidade incomum, conceito trazido pelo antropólogo Michael Harner,
onde se conecta com seus aliados.
Durante esta viagem ao estado xamânico de consciência, o xamã deixa
uma parte de sua alma em alerta para manter suas funções vitais
enquanto desloca uma outra porção para as outras dimensões. Diferente
das experiências traumáticas de projeção da alma (acidentes, anestesia e
catalepsia), na jornada xamânica entra-se voluntária e propositadamente
no mundo incomum, a maioria das vezes seguindo uma rota específica,
trilhando caminhos já experimentados e encontrando guias e guardiões.
Este estado de consciência vai além do transe, pois inclui o
discernimento sábio da realidade incomum para que o curandeiro possa
fazer o que precisa e foi previamente conhecido. "Durante este estado, a
consciência do xamã se expande, penetrando e compreendendo a
realidade incomum e trazendo os resultados desta experiência para curar
ou ajudar alguém."
É importante destacar que embora o xamã — ou praticante das
técnicas xamânicas — mantenha o controle do seu rumo, não sabe o que
vai descobrir. Ele se deixa guiar por seus guardiões e mantém o
propósito firme, seja o resgate da força vital (dele ou de alguém), de um
animal de poder ou fragmentos perdidos de alma (os xamãs acreditam
que as pessoas perdem pedaços de alma ao longo da vida e por isso
adoecem) ou a extração de alguma energia predadora e nociva.
O método da jornada interage com o meio ambiente, é voltado para
a ação e baseado no poder. Na jornada mobiliza-se energia pelos
pensamentos e emoções, emitindo-a para interceder junto às forças que
existem no mundo. Se o xamã armazenou poder suficiente, consegue
resultados com a colaboração aliada.
A ênfase na armazenagem de poder é uma característica que
diferencia a jornada de outros métodos de cura, a exemplo da
visualização. E quanto mais ativa for a imaginação de quem jorna e
quanto maior for a habilidade em usá-la mais poderoso será o xamã.
Para aprender a jornar o candidato a curador precisa desenvolver a
sensibilidade por meio de exercícios específicos para a percepção dos
sentidos — tato, paladar, olfato, audição e visão.
O poder do xamã está na sua imaginação, na sua visão e
capacidade de, por meio dela, interferir naquilo que precisa ser
remoldado. Exatamente por isso o verdadeiro xamã é ético, pois respeita
o espaço sagrado de suas relações, não modificando o mundo ao seu
redor ao bel-prazer nem invadindo o livre-arbítrio de quem o busca.
A prática xamânica também se baseia na sensibilidade e
capacidade de ouvir. Por isso, os aspectos do desapego (a capacidade de
se preocupar profundamente a partir de uma posição objetiva; deixar
seguir o fluxo natural e manter o senso de humor, permanecendo
flexível) e entrega (confiar e não se deixar abalar pela incerteza) têm
importância para o sucesso de todos os processos xamânicos.
A visão xamânica acrescenta uma nova dimensão ao método de
visualização: ao processo de ver ou formar uma imagem mental é
incorporada a natureza e a utilização de todos os sentidos já conhecidos
do homem, mais a expansão da intuição e imaginação.
De posse dos primeiros ensinamentos, visões ou intuições, aquele
que pretende se tornar um curandeiro ou se cuidar com o uso de técnicas
xamânicas precisa ir buscar o seu animal de poder.
Identificar o animal de poder é encontrar o seu Encantado (espírito
da natureza e protetor pessoal) de acordo com a cosmogonia dos índios
pernambucanos Pankararu, o Orixá de cabeça, aquele que é o dono e
protetor na tradição africana, ou o Anjo da Guarda cabalístico e judaicocristão.
Mesmo ignorante de sua existência e presença ele está ali ao lado
de todos os humanos, disponível, pronto pura fortalecer e acompanhar
quem o reconheça.
Totem, espírito guardião ou animal de poder, é uma determinada
qualidade energética com a qual os humanos se conectam desde o
nascimento — ainda que não tenham consciência disso — e que serve de
âncora na Terra: é a forma que o ser espiritual sutil encontrou para estar
presente na vida física. Sem o Totem, acreditam xamãs das mais
diferentes tradições, seria impossível ao homem sobreviver.
Durante muitas eras os xamãs acreditaram que seu poder era o
mesmo que o dos animais, das plantas, do Sol, de todas as energias e
elementos da natureza. Estes curandeiros também se sentiam parentes
dos animais, encontrando raízes comuns às duas espécies milhares de
anos antes das teorias evolucionistas de Charles Darwin.
Tal paraíso — fundamentado na total integração entre o homem e a
natureza — é recriado nos rituais xamânicos, e cabe ao xamã, em estado
sensibilizado e alterado de consciência pelas músicas, cânticos e
movimentos, recapturarem si a sabedoria e os ensinamentos dos animais.
A energia invocada é a da espécie, daí referir-se à "iluminação e
visão da Águia", à "coragem do Urso", à "força da Onça" ou à "astúcia da
Raposa". É que as características individuais representam espécies, e o
espírito guardião de uma pessoa é uno com todos os gêneros a que
pertence.
Estes espíritos guardiões trazem a sua medicina, o seu poder, força
e capacidade de cura. Assim é, por exemplo, que o Lobo e a Cobra são
aqueles que devoram as doenças durante as cerimônias de pajelança, o
Urubu, o faxineiro que limpa os resíduos tóxicos — emocionais e físicos
— de feridas profundas, desta e de outras vidas.
Já o homem comum sintonizado com o seu Totem aplica, no dia-adia,
os ensinamentos que recebe. É desse jeito que grandes mudanças
podem receber o suporte do Castor, chamado de "construtor dos
sonhos", ou do Gato do Mato que convida à discrição e à busca da
própria força interna pessoal.
O poder do Totem torna o homem mais resistente às doenças, ele
traz um vigor que repele forças exteriores invasivas (definição que os
nativos dão às doenças). Do ponto de vista xamânico, em um corpo cheio
de poder não é fácil a entrada das energias doentias.
Nos antigos tempos paleolítico e neolítico (35.000 a.C. a 3.000 a.C.)
e nas selvas primitivas mais recentes, o homem aprende sobre os
animais, observando-os em seu habitat, como se relacionam, onde reside
o seu poder. Os povos primitivos, vendo ainda hoje ligados à natureza,
tentam capturar este poder imitando-os, observando, dançando, usando
seus elementos, como penas, chifres, ossos, etc. O homem urbano vai até
os Totens em jornadas ao som do tambor e de chocalhos, vivências
ritualística em workshops, cerimônias como a Sauna Sagrada, Busca da
Visão, Roda de Cura, consultas a Oráculos.
Tanto para quem chama os animais de poder para realizar rituais
de cura e expansão da consciência, quanto para quem se volta para si
buscando se curar e às suas relações, os espíritos guardiões aí estão,
prontos a caminharem com os humanos, dando-lhes suporte e energia
para se tornarem pessoas melhores, mais responsáveis e comprometidas
com o bem-estar da Terra e de todos os seres que nela habitam.
E como lembra o antropólogo Michael Harner, que se tornou xamã
experienciando suas teorias, "os espíritos guardiões são sempre
benéficos. Jamais prejudicam aquele que os possui (...) por mais feroz
que possa parecer. Trata-se de um espírito a ser exercitado, não
exorcizado".

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